segunda-feira, 19 de abril de 2010

Medievais do Século XXI

Ontem, domingo, dia 18 de abril de 2010, foi encontrado morto na prisão Adimar da Silva, jocosamente chamado pela imprensa de Maníaco de Luziânia. Acusado de de estuprar e matar seis adolescentes, Adimar, que era pedreitro, supostamente cometeu suicídio. Uma situação que demonstra o caos em que se encontra o sistema penal brasileiro, onde um indiciado de cometer crimes, que deveria receber toda a proteção da polícia é encontrado morto. Esse fato deveria trazer a tona a discussão sobre como anda o nosso sistema de execução prisional, quais os limites do uso da prisão preventiva, que garantias a mais deveríamos oferecer a um preso que ainda não foi condenado, e, portanto, em tese, ainda é inocente, qual a função do sistema penal e como ele vem cumprindo essa função, e como pode-se usar do sistema penal para melhorar a segurança e a qualidade de vida da população.
Mas não é isso que se vê quando se acessa comentários nas notícias sobre a morte, no twitter e em fóruns de discussão. O que se vê é uma comemoração irracional e inumana desta morte, afinal, segundo palavras dos medievos usuários da internet, é um "animal", um "assassino", um "monstro", "'bandido tem que morrer", "só assim para se ter JUSTIÇA", etc.
Em primeiro lugar Justiça não se confunde com vingança. quer seja privada, quer seja pública. Justiça, no caso penal, é restringir certos direitos de uma pessoa que cometeu crimes, com o intuito de previnir ações iguais de outras pessoas, e, acima de tudo, gerar meios à reabilitação dos criminosos, independentemente do crime cometido.
Demorou-se muito para se chegar a este conceito de justiça, saiu-se da "justiça com as próprias mãos ilimitada", passou-se pelo "olho por olho, dente por dente", pela "aplicação estatal de castigos, e evoluindo, chegou-se a este conceito de justiça.
Que justiça há em matar um assassino? Nenhuma. A morte deste indivíduo não vai trazer os entes queridos de volta, a morte desse assassino não vai inibir a ação de outros assassinos, basta ver a violência alta que há em estados americanos com pena de morte. A morte simplesmente vai aplacar a sede de vingança da sociedade, que em nada se identifica com  a Justiça.
É muito fácil condenarmos uma pessoa, sem a conhecermos de verdade, sabermos de sua história, de seu interior, o que se passa com esta pessoa. Não dá para reduzirmos um indivíduo ao crime que comete. Uma pessoa vai além disso. O Estado e a sociedade tem o dever de tentar reabilitar este indivíduo, fazer dele um ser humano melhor, dar meios para que ele possa se arrepender verdadeiramente de seus crimes, e comece a ter consciência de que precisa fazer algo para sociedade em troca de todo o mal que causou.
É utopia o que descrevi? Poder ser, quando se intenciona que todos tenham essa reabilitação. Mas se dentre cem, um criminoso tiver essa conversão de vida, de totalmente anti-sociedade, para um indivíduo pró-social, a sociedade já terá tido uma vitória.
Matar um criminoso é um atestado de incompetência para o Estado e a Sociedade.
Vários documentários, como Meninos do Tráfico e outros que assisti, mas que como minha memória para nomes de filmes é péssima não vou me lembrar, mostram o quanto de humanidade pode haver em um bandido considerado inumano pela sociedade. Chega-se a querer a fazer algo efetivo para auxiliar aquele indivíduo.
E é isso que o sistema penal deve fazer, punir sim, diria até com rigor, porque não podemos deixar crimes impunes, pois a impunidade aumenta a criminalidade, mas sem excessos, e com o intuito de que trabalha-se com seres humanos, e como todo ser humano, tem direito a ter infinitas novas chances de ser tornar uma pessoa melhor, e possibilitar meios para isso.
Devemos sim melhorar nossa polícia, tornar nossa justiça mais célere, modificar os critérios de progressão de pena e concessão de saídas (ter merecimento a estas benesses quem realmente está se esforçando para crescer como pessoa), mas, dentro da restrição total da liberdade de ir e vir, deve haver atividades de todo gênero, que propiciem dignidade, trabalhem com o florescimento da consciência dos presos e os incentivem a procurar um crescimento de valores e de humanidade, como artes, atividades religiosas, esportes, acompnhamento psicológico, assitência médica, assistência á família do preso, integração do preso com a família sempre que se verificar ser isso positivo, e evitar o contato familiar, se for verificado ser isto negativo, etc.
E após a prisão, deve-se dar total condição do preso continuar se desenvolvendo como ser humano.
Essas pessoas do século XXI que querem uma sistema vingativo medieval esquecem que não foi à toa que chegamos a este ponto de evolução no conceito da pena, que chegamos onde chegamos, porque conseguimos, hoje entender a sociedade, a psiquê do homem, os fatores motivadores de comportamentos, e, também,  porque o sistema vingativo nunca proipiciou redução da violência. É sempre bom lembrar os ensinamentos de Beccaria, que uma pena duradoura, que se prolata no tempo, inibe mais as pessoas a cometerem crimes do que uma pena violenta, que só cria uma catarse momentânea na sociedade.
Não pensem que quando vejo notícias de crimes bárbaros, como da Isabela, desses meninos de Luziânia, não me causa comoção, faz nascer em mim estes instintos vingativos, de querer algo semelhante aos algozes destes, sou humano e isso é natural do ser humano. Mas temos que superar nossos sentimentos instintivos e buscar racionalizar o valor de toda e qualquer vida, e o quanto é importante criarmos condições dignas de vida a qualquer ser humano, independentemente de seus atos passados.
É normal ao se perder entes queridos de forma brutal querer a morte e o sofrimento dos assassinos, ninguém é errado por isto, mesmo quando vemos casos que nos chocam, ainda que não de pessoas próximas. Estranho seria isto não acontecer.
O errado é transformar esse sentimento em convicção ideológica, acreditar, racionalmente, e piamente, neste sistema medieval em pleno século XXI.
Devemos ser mais evoluídos que isto...

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