quinta-feira, 29 de abril de 2010

Ficha Limpa: Um Insulto ao Estado Democrático de Direito

O inciso LVII do artigo 5° da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 diz, taxativamente que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". O artigo 5° fala sobre direitos individuais, e, portanto, é uma cláusula pétrea de nossa Constituição, não sendo os seus incisos passíveis de revogação nem mesmo por Emenda Constitucional. Para se revogar qualquer um dos direitos previstos neste artigo seria preciso acabar com a ordem constitucional vigente, iniciando-se uma nova, a partir da elaboração de uma nova Constituição, o que faria ir por terra toda a estabilidade política que temos conseguido com muito sofrimento nos últimos 22 anos. Se tantos escândalos políticos têm vindo à tona atualmente, é sinal que nossa Constituição está dando frutos, ou seja, está propiciando vir à tona a sujeira antes escondida do povo. Mas, em nome de uma suposta de limpeza na política, surge a Lei da Ficha Limpa, uma lei que impede pessoas que tenham algum tipo de condenação criminal de disputar eleições. Até aí, tudo bem, porque até mesmo a lei atual já prevê isso. Mas o que torna essa lei um perigo para o Estado Democrático de Direito, é o fato desta lei inicialmente prever que qualquer condenação, por qualquer juiz singular, ainda que recorrida, impeça a candidatura de um cidadão. Ora, se a sentença foi recorrido, ainda não transitou em julgado, é, portanto, existe a presunção de inocência do indivíduo. Sim, porque embora a pena não poderá ser cumprida ainda, já estará o indivíduo sofrendo efeitos da condenação. E que se dane a Constituição!!!! Imagine a situação, um político do interior sofre uma condenação injusta de um juiz que está em conluio com o seu adversário político, que por sinal, é aquela pessoa superinfluente na cidade. É justo este político perder o direito de se candidatar, ainda que recorra da decisão injusta, e possa a vir a ser inocentado, mas já após passada as eleições, não podendo mais a elas concorrer? Lógico que não.
Em emenda feita pelo Senado a lei se tornou menos danosa, mas ainda assim inconstitucional. O Senado afirmou que ao entrar com recurso em um órgão colegiado (Tribunais dos Estados, TRF's, TRE's, STJ, STM ou STF) haverá a suspensão do impedimento à candidatura, que só passará a valer se o cidadão for considerado culpado por um destes Tribunais, e para evitar a morosidade do Judiciário, os recursos de candidatos serão analisados com total urgência e prioridade. Porém, a decisão do primeiro órgão colegiado desfavorável ao réu já o impedirá de se candidatar, ainda que ainda caiba recursos a outros tribunais ou internos. Se por um lado o fato de ser decidido por um órgão colegiado já evita ínjustiças como a que hipoteticamente citei, ainda assim afronta a Constituição, visto que se o indivíduo recorrer, terá os efeitos da condenação ainda sendo considerado inocente, o que é um contrassenso.
A única coisa realmente boa, e dentro do nosso sistema constitucional, que se tira desta lei é a prioridade no julgamento de recursos destes indivíduos, para se evitar que culpados se candidatem devido a morosidade do Judiciário. Ora, o que deveria ser feito então é a prioridade absoluta no julgamento dos casos envolvendo estes candidatos, em todos os recursos passíveis durante o processo, exigindo-se até dedicação extra dos Ministros, dos Desembargadores e dos Juízes, dando um prazo máximo para que esse processo seja analisado. E lógico também, a tão almejada reforma no sistema recursal brasileiro, terminando com o excesso de recursos puramente protelatórios, que torne célere a condenação.
E outra coisa importante, o tempo de impecilho à candidatura tem de ter um prazo certo após a condenação do indivíduo, porque senão haverá a afronta de outro inciso do artigo 5º da nossa Carta Magna, o que proíbe a pena de caráter perpétuo (inciso XLVII, alínea b), que não se confunde com a proibição perpétua, mas vai além dela, proibindo qualquer pena que não tenha seu prazo estipulado, ainda que não restritiva de liberdade.
Assim sendo, a Lei da Ficha Limpa em nome de uma suposta moralização da política brasileira, vai de encontro aos alicerces da República Federativa do Brasil, abrindo precedentes perigosos, que faça a nossa República ruir de vez, pois, como diz o velho chavão " de boas intenções o inferno está cheio".
Viva a moralidade na política, mas, antes de tudo, viva a República Federativa do Brasil!!!!

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